Histórico da instituição

O Museu da Pessoa foi criado pela historiadora Karen Worcman em 1991, mas a ideia por trás do surgimento da Instituição data de meados dos anos 80. Karen, ainda durante os anos de faculdade de História na Universidade Federal Fluminense, participou de uma pesquisa sobre os conceitos presentes nos livros didáticos de História que haviam sido publicados desde os anos 1930 no Brasil. Estudando as legislações do Ensino de História no país e como essas narrativas iam evoluindo segundo os momentos ideológicos – não dos autores, mas do Brasil – foi se dando conta de como conceitos de História e Memória eram criados e acabavam se tornando senso comum.

Posteriormente, trabalhando na Funarte em um projeto de organização do acervo do repórter fotográfico José Medeiros, Karen passou a realizar entrevistas com profissionais que haviam trabalhado com ele. As entrevistas serviriam de base para um livro sobre Medeiros. Durante estes registros, percebeu o quanto questões sobre as experiências vividas pelas pessoas geravam conteúdos muito mais ricos do que aqueles derivados de questões meramente informativas e opinativas.

Tempos depois, por volta de 1988, a historiadora começou a trabalhar em um projeto sobre os imigrantes judeus no Rio de Janeiro, intitulado Heranças e Lembranças e realizado pela Associação Israelita do Rio de Janeiro. No projeto, e bastante voltado para a cultura material e para a importância dos objetos trazidos pelas famílias em sua vinda, em geral fuga, ao Brasil, Karen acabou criando um núcleo de história oral. Durante três anos, registrou mais de 200 horas de gravação com os imigrantes judeus, já em um formato história de vida. Como era responsável pela equipe, Karen teve que aprender a sistematizar os procedimentos: como entrevistar, quais as regras, como analisar o conteúdo gerado e transformá-lo em um acervo. 

As histórias de família, que povoaram toda a sua formação, foram ali decisivas para que a historiadora enxergasse o mundo a seu modo e se interessasse pelo que os outros tinham para contar. Neste momento emerge a ideia de criar um museu que valorizasse a história de cada indivíduo, um lugar onde toda pessoa pudesse ter sua história de vida preservada.

O Museu da Pessoa surge então em 1991, com o objetivo de constituir uma Rede Internacional de Histórias de Vida. Desde o início, ainda antes da popularização da Internet, definia-se como um museu virtual. Desde sua fundação, o foco era possibilitar a construção de uma memória social baseada em histórias pessoais. As narrativas, organizadas em uma base digital, serviriam para contribuir com a criação de diferentes perspectivas da nossa sociedade. 

A crença no poder das histórias permeou toda a trajetória do Museu da Pessoa. Uma história que pode ser dividida em cinco grandes fases, que representam como essa ideia foi se transformando ao longo do tempo.

1991-1996 – UMA REDE SEM REDE: NOVAS VOZES NA HISTÓRIA 

A primeira experiência do Museu da Pessoa foi realizada em dezembro de 1991, durante a exposição Memória & Migração, que apresentava a trajetória de imigrantes judeus para o Brasil e tratava, por meio de inúmeras atividades, as memórias dos imigrantes em São Paulo. Durante este evento, realizado no MIS (Museu da Imagem e do Som, SP), abriu-se um estúdio para que toda pessoa interessada viesse contar sua história. A iniciativa, com grande receptividade de público, confirmou tanto a demanda pelo espaço em compartilhar a própria história quanto a riqueza que cada história de vida revelava.

Em 1994, o Museu da Pessoa contribuiu com a montagem do Memorial do São Paulo Futebol Clube, inaugurando uma das primeiras versões da História em multimídia do país. A premissa de que todos fazem parte da História garantiu a presença de entrevistas com jogadores célebres, diretores, funcionários antigos e incluiu, por exemplo, a cozinheira e a primeira telefonista do time.

Também em 1994 a instituição começou uma parceria com o SESC-SP para contar, por meio de histórias de vida, a história do comércio em São Paulo. Deste projeto, Memórias do Comércio de São Paulo, nasceu um dos primeiros CDROMs históricos e interativos do Brasil, além de oito exposições, oito publicações e uma grande exposição virtual. No total este acervo conta com 263 histórias de vida e mais de mil imagens sobre a vida no comércio.

Ainda neste momento, é importante destacar a parceria do Museu da Pessoa com a CUT para registrar a história das profissões em extinção. As entrevistas foram transformadas em uma publicação que, utilizada pelo programa Integrar, serviu como base para formação de trabalhadores pelo Brasil com consequente desdobramento em novas publicações compostas pelos próprios trabalhadores. 

Durante este período, o Museu da Pessoa realizou também as primeiras cabines móveis de captação de depoimentos em vídeo, que deram origem ao MUSEU QUE ANDA.  As cabines circulavam por espaços públicos (estações de metrô, praças, parques) e privados (empresas, shoppings entre outros). Foram realizadas mais de 200 cabines por todo o país. A preocupação em socializar o conteúdo impulsionava o Museu da Pessoa a pensar produtos de disseminação como CD ROM’s, livros, exposições etc. Mas um fato veio transformar estas práticas: a chegada e a popularização da Internet no Brasil. 

1997-2003 – NOVOS PRODUTORES DE MEMÓRIA

O Museu da Pessoa inaugurou seu primeiro site na Internet em 1996, que reproduzia, de alguma forma, fluxo de informação da época. O site tinha como foco disseminar as histórias e a participação do usuário era ainda muito restrita. Em 1997, o Museu da Pessoa passou a integrar o site da UOL e lançou a sessão “Conte sua História”, que abria a possibilidade de todos  enviarem suas histórias por email para  colocá-las no ar via programação HTML. Para popularizar a iniciativa, o Museu da Pessoa fazia uso das grandes datas comemorativas – Dia das Mães, Dia dos Pais, aniversários, Dia da Consciência Negra, etc. 

Apesar de, naquele momento, menos de 20% da população brasileira ter acesso à internet, as histórias chegavam. Bem escritas e delicadas. Muitas vezes eram histórias de amor, de avós e avôs, de nascimento de filhos ou após uma grande fase de superação pessoal. 

Neste período, o objetivo era contribuir fortemente com a “democratização” da construção de nossa memória social. O Museu percebeu os limites surgidos pelo fato de manter-se como produtor quase que exclusivo de seus conteúdos e questionou-se sobre o que mais poderia ser feito para disseminar seu propósito. Como a metodologia poderia ser utilizada para que grupos sociais diversificados pudessem, eles próprios, registrar suas histórias?

Foi em meio a essas questões que teve início o trabalho de formação de novos produtores de memória. O primeiro programa chamava-se Agentes da História e tinha como proposta ensinar idosos a entrevistar outros idosos. O programa formou, por 1 ano, 23 idosos que atuaram como entrevistadores voluntários para o Museu da Pessoa.

Em 2001 foi criado, em parceria com o Instituto Avisa Lá, o programa Memória Local, que com foco em professores e alunos do ensino fundamental de escolas públicas para apoiá-los na produção de projetos de memórias de habitantes da comunidade na qual a escola está inserida.

Neste mesmo período, o Museu da Pessoa começou a desenvolver, de forma significativa, projetos de memória institucional. O Brasil, na virada do milênio refletia de muitas maneiras as políticas públicas da década de 50 e uma grande parte das empresas públicas e privadas e instituições estava completando seus 50 ou 60 anos.

A mesma metodologia utilizada para contar a história do São Paulo Futebol Clube ou do comércio no estado foi aplicada para construir esses projetos. Do conteúdo surgido de pesquisas e do registro de histórias de vida nasciam os produtos: centros de memória físicos e virtuaislivrosexposiçõesvídeos, etc.

Os projetos de memória realizados junto à Petrobras, à Vale, à Votorantim, ao Grupo Algar e ao Sindicato de metalúrgicos do ABC foram alguns dos destaques desses períodos.

2004-2008 – CONECTANDO REDES 

No início dos anos 2000, após quase 20 anos do final da ditadura, o cenário de produção cultural do País transformou-se completamente. Museus comunitários, resgate de raízes e valorização do patrimônio intangíveL do Brasil passaram a ser entendidos, tanto na esfera oficial e acadêmica quanto pelos movimentos sociais, como um eixo fundamental para o desenvolvimento social de comunidades.

O Museu da Pessoa passou, então, a revisitar seu papel como Museu e preocupar-se em “articular” as iniciativas, para que as histórias se conectassem e servissem como um forte eixo mobilizador de grupos sociais diversos. Esta preocupação levou à iniciativa Brasil Memória em Rede, que envolveu diretamente cerca de 100 organizações em todo país na articulação de suas ações em torno da memória. Em 2007, o Museu da Pessoa tornou-se um Pontão de Memória, o que possibilitou a construção de polos regionais de memória, responsáveis pela articulação de projetos em seus territórios. 

Durante este mesmo período, o Museu da Pessoa envolveu-se com mais alguns movimentos de rede, mais precisamente o movimento Um Milhão de História de Vida de Jovens, além das campanhas do Dia Internacional de Histórias de Vida, promovidas pela rede internacional de Museus da Pessoa em parceria com Museus da Pessoa de fora do país e com o Centre for digital Storytelling. 

O movimento Um milhão de Histórias de Vida de Jovens nasceu de uma parceria com uma organização da sociedade civil, Aracati, focada em mobilização juvenil.  Com a metodologia desenvolvida por Joe Lambert e pelo Center of Digital Storytelling, e com o apoio da Fundação Kellog, organizações de juventude foram convidadas para uma formação. A ideia era estimular os próprios jovens dessas organizações a se tornarem facilitadores de círculos de história e a criarem suas histórias para serem compartilhadas em uma plataforma digital. Mais uma vez, ainda que já bastante desenvolvido, o desafio de inclusão digital era muito grande. Os jovens muitas vezes faziam suas histórias em rádio, em versos, em cordel e, ao invés de transformá-las em parte de uma plataforma digital, faziam um varal de histórias ou um festival de teatro. A articulação política das histórias era um eixo fundamental e algumas organizações chegaram a ter parcerias com as TVs locais. 

Neste mesmo período, a Rede Internacional de Museus da Pessoa chegava em seu melhor momento. Com início em 1999 em Portugal, nos EUA em 2001 e em Montreal em 2003, os “Museus da Pessoa” nasceram de forma espontânea e, a partir de um contato e de uma capacitação de equipe, tornaram-se autônomos. As iniciativas eram ligadas a instituições locais como a Universidade do Minho (Portugal), a Universidade de Indianna (EUA) e o Centro de História de Montreal (Canadá). Mas foi em 2007, durante um encontro em Montreal, que formou-se a Carta de Montreal, unindo os núcleos do Museu da Pessoa em um só propósito. O Dia Internacional de Histórias de Vida nasceu deste encontro. Uma plataforma digital foi lançada em 2008 e, por meio de um Google Maps, a inserção colaborativa da iniciativa. Ao final da última versão, em 2012, cerca de 30 países e mais de 220 organizações haviam sido mobilizados.

Naquele momento, o esforço do Museu da Pessoa passou a abarcar além das histórias de vida, a ideia de constituir, também, uma rede de organizações. Parte deste processo implicou em sistematizar, de forma muito simples a metodologia que era utilizada, pois percebeu-se que grande parte dessas organizações “praticavam” o registro de histórias, mas não possuíam metodologias para transformá-las em um acervo público e acessível.

Dessa necessidade nasceu a Tecnologia Social da Memória, uma forma de transformar os conceitos e as ideias em práticas de modo que grupos sociais variados possam apropriar-se das metodologias do Museu da Pessoa. 

2008-2015 – HISTÓRIAS DE VIDA COMO PATRIMÔNIO CULTURAL 

Em 2008, a crise econômica chegou ao Brasil e o Museu da Pessoa quase fechou as portas. Houve uma redução de equipe e a possibilidade de um fim.  Isso fez com que a instituição se conscientizasse ainda mais acerca da necessidade de cuidar do que já havia sido construído. Grande parte do acervo não havia sido digitalizado e havia a necessidade de transcodificar todo o material: Hi8, Betacam, MDV, VHS – todos os formatos utilizados ao longo dos anos. A plataforma digital foi reorganizada, as ferramentas de interatividade foram revistas, elaborou-se um diagnóstico de todo acervo. Com estes procedimentos, acabou ficando claro que o museu havia constituído um patrimônio único sobre a história do Brasil. 

Além da preocupação com a salvaguarda deste acervo, havia o trabalho para que as histórias não “morressem”. Ou seja, não se tornassem parte de um arquivo morto. Hoje, editoras de livros didáticos, jornalistas, pesquisadores e escolas fazem uso deste conteúdo.  A prioridade institucional passou a ser cuidar das histórias e criar inúmeras formas de consulta para ampliar sua função social. Deste mesmo intuito, com foco no registro e preservação de histórias do país, que passava por um período de grandes transformações urbanas e socioeconômicas, nasceu um projeto curatorial denominado Memória dos Brasileiros. Organizado, inicialmente, em quatro linhas temáticas: Brasil que muda (histórias de Empreendedores Sociais e lideranças de todas as áreas); Brasil que precisa mudar (histórias de pessoas em situações vulneráveis e de exclusão social) Saberes e Fazeres (histórias de pessoas que possuem grande parte da cultura oral) e Brasil Urbano (histórias de cidade, de periferia, de migração e imigração). O projeto registrou cerca mais de 300 histórias de vida de brasileiras e brasileiros, com sete expedições culturais pelo país, percorrendo 15 estados e 42 cidades.

Em 2014 o Museu lançou sua quarta plataforma digital, permitindo que os visitantes pudessem, além de registrar suas histórias (em texto e vídeo), atuar como curadores convidados, utilizando o acervo para comporem suas próprias coleções. Só no ano de 2015, a plataforma teve mais de um milhão de pageviews, recebeu cerca de 350 histórias de vida e 37 coleções foram criadas pelos usuários a partir das histórias e imagens presentes no acervo e disponíveis na plataforma digital. 

Após mais de duas décadas de atuação, o Museu da Pessoa constituiu um acervo único que traduza vida cotidiana de brasileiros e brasileiras de diversos segmentos sociais e regiões do país. O Museu da Pessoa consolidou seu propósito por meio de sua plataforma e metodologia (Tecnologia Social de Memória).

2016-2020 –  PRESERVANDO O LEGADO

O Museu da Pessoa, ao longo dos anos, coletou o maior acervo da vida privada do Brasil, nos séculos XX e XXI. Entre fins de 2016 e 2017, em comemoração de seus 25 anos, o Museu organizou uma série de ações e eventos. A publicação “Quase Canções” foi lançada e agregou histórias captadas entre 2015 e 2016 pelo programa Conte sua História. A exposição “Quem Sou Eu?” ficou de setembro a dezembro em funcionamento no Sesc Vila Mariana, trazendo uma releitura do acervo sob o olhar de três curadores convidados: Cristiano Burlan, Diógenes Moura e Viviane Ferreira.  

A exposição ainda apresentou um espaço dedicado à educação, onde estiveram presentes narrativas registradas por funcionários das 37 unidades do Sesc-SP, que utilizaram a Tecnologia Social de Memória para conhecer seu público. Também foi montada uma cabine interativa aberta ao público, à disposição de todas as pessoas que quisessem fazer um breve relato narrando um pouco sobre si.

Todas estas comemorações trouxeram à tona o fato de o Museu da Pessoa ter construído um legado sobre a história do país e dos brasileiros. Um legado a ser preservado e transmitido às futuras gerações. Preocupado com a preservação de seus registros, o Museu da Pessoa sempre buscou acompanhar os avanços das tecnologias de registro e preservação audiovisual. A variedade de formatos de mídias em sua reserva técnica (20 mil mídias analógicas, entre MDVs, Hi8, Betacam, Hds externos) demonstra bem isto.

Atualmente, a equipe de acervo se dedica à digitalização e tratamento completo de seu conteúdo, com o apoio do BNDES. Nos próximos 2 anos e meio, 10 mil mídias serão digitalizadas, juntando-se ao restante, já em formato digital. Além disso, cerca de 40 mil fotos e 3 mil histórias serão tratadas, recebendo descritivos e metadados, e disponibilizadas ao público.

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